sábado, 15 de março de 2014

Tocaram os sinos - MQ



Por vezes penso que a presença da troika em Portugal pode ser comparada à Peste do Camus. Vou a sair de casa e tropeço num rato morto. Qual Dr. Bernard Rieux encharcado em muscarina.
Vá tem calma. Tranquilidade! Tranquilidade que somos um país de poetas. Poetas e fadistas. "Cantar o Fado? Nunca! o Fado é o veneno da raça!" "Um por todos e todos contra o Fado". Que venha a epidemia que cá estaremos para curar as "chagas de carácter social"...
Algo está para acontecer ao meu país. Algo de grandioso. Esquece a "Mensagem" que essa perdeu-se no caminho marítimo para a India...
É difícil encontrar a saída do poço onde este menino com mais de 800 anos caiu...De Zamora a Roma...a Lisboa (deixa-me rir). Do Minho até Timor...
Vou troteando "A Portuguesa" enquanto me debruço sobre a possibilidade de ir dormir a sesta...
 
Acabou o arraial...
 
 
Tocaram os sinos by MQ

quarta-feira, 5 de março de 2014

Vicio III - MQ


Passava as noites naquele antro de insetos de frustração embriagada. A catedral do vício, o pináculo da má vida ou o poço do elevador da existência. Servia-me de um, dois, dez copos de whiskey barato a preço de ouro e dialogava com putas, numa linguagem pobre e apodrecida. Ali sou condenado à morte lenta e desafio a verdade com pinceladas de veneno.
Depois ia para casa dormir. Dormir e escrever. Escrever este conto.
Escrever, compor e redigir o melhor de todos os contos alguma vez escrito. Cru e abrutalhado. Frio.
Escrevo até me doerem as mãos, as costas, o peito e o ser. Até me doerem os pés de tanto palmilhar ruínas.
Escrevo uma obra-prima que vai diretamente para o topo dos contos mais lidos e decorados de sempre. Diretamente para o caixote do lixo. Diretamente para o além. Onde nunca chegou a ser.
Quero voltar para cama e dormir até às três da tarde, quatro da tarde, cinco da tarde. Jantar de micro-ondas à luz das velas. Seia dos pobres de espirito. Jantarada acompanhada a bagaço rançoso. Manhoso bagaço caseiro.
O vício resiste em mim. Devora-me o amago. Viola-me as entranhas. Sodomiza o livre arbítrio.



Vicio III by MQ




Vicio II - MQ


Apetece-me caminhar desvairado pelas ruas desta aldeia urbana, testemunha do abandono constante e da miséria da carne. Apetece-me palmilhar as sete partidas, ou mesmo as sete colinas. Apetece-me fugir pelas vielas ensopadas da chuva de Novembro e andar, andar, andar, voar. Ao encontro de estranhos solitários, marinheiros, estrelas de teatro de revista, jovens meretrizes, jogadores de xadrez profissionais, peões e cavaleiros.
Começo por descer a rua bem devagar, sem plano delineado, sem esperanças, uma vontade de rir e de chorar. Uma vontade de caminhar até mais não conseguir andar. Sapatos caros e desfeitos de tanto andar. Pequeno-almoço junto ao rio, ovos cozidos e cerveja económica. Solidão de barriga cheia.
Descanso e penso mais um pouco. Descanso ainda mais e observo os poucos transeuntes. Podemos definir camadas sociais pelos horários laborais. Só com base nos horários. Às seis da matina vejo pobres, mas às dez da manhã vejo ricos.
Levanto-me quando começo a sentir frio e vou comprar o jornal a um desses quiosques perdidos. Acordo finalmente para a realidade produzida e brilhantemente realizada das notícias cruas do mundo. Dá-me vontade de rir. Apetece-me vomitar….Começo a tossir de forma convulsiva. Tenho que sair deste lugar. Levanto-me de um só trago, de uma só conquista. Vou ganhando espaço e confiança.
Penso nas experiências vividas naquelas catedrais de vício e despeço-me delas com dor no espírito. Fico com vontade de mergulhar em água benta.
Bolso de forma violenta contra a parede e espirro consecutivamente. Estou a chegar ao limite das forças e acabou-se o pó. Não tenho tabaco e cheiro a vómito. Tenho saudades de casa e do que é comum. Preciso de dormir. Preciso de descansar e sonhar com mulheres nuas.
Ando lentamente para a praça de táxis junto ao velho cinema e suspiro a morada para o motorista. Este é dos silenciosos. Fecho os olhos e fico ali, na vigília, ignorante, inocente e ausente. Parado no tempo e nos espaços. Vou sendo interrompido pela rádio táxis e a voz metálica da operadora. Chego à porta de casa, pago educadamente e dou gorjeta. Não me quero afundar em moedas. O dinheiro diz-me pouco, mas não consigo viver sem ele. O elevador está avariado. Nove andares de ressaca até à terra prometida. Os lençóis sujos da minha cama de solteiro.
Sento-me nas escadas frias. Esqueço as figuras de estilo e adormeço sem luar.
 
 
Vicio II by MQ

Vicio - MQ



Vais sempre de táxi, sempre a pagar e a conversar com estranhos sobre existências que nunca foste capaz de existir. Numa desordem inimaginável relaxas e inventas uma narrativa, preenchida com personagens mirabolantes, filhas dignas de um conto de fadas.
Chegas ao destino e nunca pedes para ficar à porta. Vergonha do que possam pensar os motoristas de táxi, depois de teres construído uma teia de ilusão de mentiras complexas e macias. Passas num salto pelo multibanco para teres alguns trocos chorudos na algibeira do velho casaco coçado. Subornas o porteiro com uma nota de dez ou de vinte, num aperto de mão secreto, iluminado pelo detetor de metais e desces, desces, desces e desces até às profundezas dantescas de um salão de baile contemporâneo.
A música lenta e claustrofóbica inunda o vazio, espaço espacial partilhado por damas e cavalheiros e, numa escuridão sublime, encontras decotes e pernas a dar com um pau. Encaminhas-te lentamente para o bar e bebes de costas viradas para a multidão, envergonhado e chocado com a luxúria batida, promiscua e insinuante. Tudo parece de cristal e, de repente, tudo estala com uma violência memorável.
Aos poucos e poucos deixas-te ir, respirando fundo e abrindo mais um botão da camisa. Ris-te alcoolizado e escapas-te, paulatinamente, como uma sombra, para casa de banho dos homens, onde a luz branca e enjoativa te abraça como se de um amigo se tratasse. Olhas-te ao espelho e não te reconheces para além dos olhos castanhos, raiados de sangue e de sabedoria mordaz. Tomas o teu tempo e enches um copo de água que rapidamente bebes sequioso. Não te sentes confortável na tua pele e ali, à luz da realidade crua, tudo parece ainda pior. Sentes-te desenraizado e expatriado como um estrangeiro num livro de Remarque, ou mesmo como o próprio Estrangeiro de Camus. Tudo aquilo te parece absurdo. Pedes socorro a ti mesmo, sem mar, sem pé.
 
Vicio by MQ

Travessia no deserto - MQ


Trago um Ulisses na alma
Complico o complicado
Desarranjo a desarranjada calma
Sou um Bloom desenraizado

À procura da afamada utopia
Sal e Moriarty num só
Pela estrada fora partia
Se quiseres pergunta ao pó

A um Deus desconhecido rezei
Vale de Nossa Senhora
Assentei estacas e esperei
Joseph Wayne foi-se embora

Oiço os sinos a chorar
Acordo de madrugada
Por quem os sinos dobram
Robert Jordan cai da montada


Travessia no deserto by MQ

Rio Memória - MQ


Tens o Tejo no olhos
Reflexo de vidas passadas
Rumo das descobertas
De mundos por conquistar

As tuas curvas são o Guadiana
Percorrem a fronteira do ser
Sem vontade de desaguar
Desejo de renascer

Os teus lábios são o Douro
Paralelos com os meus no caminho
O Sabor como afluente
Contentamento descontente

O teu peito é o Minho
Entre a nascente e a foz
A Ilha dos Amores

Vives nas margens do Mondego
Um destino infinito
Um caminho sem fim


Rio Memória by MQ


Doença - MQ



Momentos como pontes

A outra margem

Do passado para o futuro
Sem passar pelo presente

Passadeiras aérias
Areias movediças

Plantas trepadeiras
Ponto e virgula

Restos de civilização
No meio da confusão

Princípios e fins
Pendurados entre jardins

Verde sem esperança
Olhos de criança

Campos cheios de nada


Doença by MQ

Noites - MQ


Em direção ao vazio
O único caminho que estes homens conhecem
Viver com medo de morrer
Morrer com medo de viver
O ir e vir das rotinas
Os amores e desamores
As madrugadas e os amanheceres
A procura da igualdade
A limitação de ser humano
A Moral sem moral alguma
As verdades mentirosas
A ida para o trabalho
O regresso a casa
O cansaço do corpo
A procura de companhia
A carne
Uma bebida fria
Uma rodela de limão
Um café quente
O amargo de boca
Os cigarros que ardem
As histórias de outras vidas
Os pés gelados por baixo dos cobertores
O sono que não vem
Os homens do lixo
O ruído
O ruído
As vozes alheias
Os cães a ladrar
A uivar
A ganir
As portas a fechar
Uma cadeira a arrastar
Os passos pesados
Os passos inquietos
A mesma história de sempre...
Caos
Os olhos húmidos
As pestanas a cerrar
Silêncio e paz
Um bocejo de nada
A mesma história de sempre...
Morfeu


Noites by MQ

Enquanto dormias - MQ


Enquanto dormias
Abrias a asas
Voavas para longe
Para lá do eterno
Para além do além

No teu leito, alquimia
Quedas de água doce
Céus azuis
Estrelas cadentes
Nobres açucenas

Entre as tuas pernas
Laranjeiras em flor
Borboletas de seda
Uma chama que chama
Um perpétuo jardim

No teu abraço
Flor de cerejeira
O presente presente
Viver sem fronteiras
Um principio sem fim


Enquanto dormias by MQ

Sábado - MQ


Sábado,
Manhã,
Inicio de tarde,
Mozart e nicotina
Alquimia e cafeina
Literatura e partituras
Ideias obscuras
Preguiça almofadada
O doce fazer nada
Começa o fim de semana
Pequeno almoço na cama


Sábado by MQ

Providência - MQ


Fazes-me tremer por dentro
Perco-me em ti no tempo
O teu olhar de criança
O teu passo de dança
A tua boca é seda
Os teus lábios são sede
Nos teus olhos quero morar
Fazer deles o meu lar
Esse sinal é um verso
Um planeta no universo
Essa elegância eloquente
Faz-me esquecer o presente
Ainda sinto a tua crina
O teu toque fascina
Os teus dedos dos pés
Os teus ávidos porquês
O teu peito é proteção
Bem junto ao medalhão
O significado da Lua
Descobri quando te vi nua
Fazes-me tremer por dentro
Perco-me em ti no tempo
O teu corpo inocente
Faz de mim um crente


Providência by MQ


Fim - MQ


No espelho as razões que não sei explicar

Uma vida ansiosa por viver
Pressa presa pelo medo de morrer
De forma dramática padecer
A uma vida errática sobreviver

A ansiedade, essa madrasta
Deliciosa e filosófica varrasca
Deixa-me da mão ó susto perfumado
Deixai-me viver embriagado

Uma dor no peito, doce azia
Abrir os olhos para respirar outro dia
Um compasso de espera infinita
O desejo de uma morte tão bonita

Um pensamento profundo varre-me o universo
Uma dura memória em forma de verso
Uma estória de encantar mal contada
Uma porta entreaberta, escancarada

Um poema que me desarranja as entranhas


Fim by MQ